1 de junho de 2025

O beija-flor

 


                                                                                                                     

A floricultura ficava perto do prédio. Era só dobrar duas esquinas, para encontrar o lugar com sua diversidade de flores e rosas. Mamãe  se encantou com o ambiente, apaixonou-se na íntegra, pelas criaturas perfumadas. Não tardou muito e ela começou a  chegar todos os dias, com uma planta diferente.

 Em vasos de porcelana ou de plástico, lá estava ela cultivando aqueles pequenos seres aromáticos. Na cozinha, os alecrins perfilados disputavam o espaço com o pote de açúcar. Enquanto que na sala, a  mesinha central  de vidro recebia um esbelto arranjo de peônia. Nem mesmo o banheiro era isento da nova flama de mamãe. Sobre a pia, um buquê de jacinto parecia uma pintura, diante do azulejo esbranquiçado.

Papai ressabiado com os eventos botânicos, mostrava-se avesso a tudo que era natural. E sisudo, dizia não ser correto, gastar tanto dinheiro com flores. Mamãe pouco dava ouvidos às suas contestações. Atribuía à florista, toda a oferta floral. A cada dia, os crisântemos, os lírios e os  eucaliptos. Além  de ingressarem constante no recinto familiar, também faziam florescer em mamãe, a mulher que há tempos, adormecia na infertilidade do amor matrimonial. A pele pálida de antes desapareceu. E um tom roseado rutilava amiúde, nas suas bochechas. Pouco a pouco, mamãe adubava suas pretensões, semeava a necessidade de brotar para o mundo.

Do seu coração fluía a seiva bruta, o líquido vital regava o terreno arenoso do amor. A floricultura era um refúgio, fomento da essência de mamãe. Das poucas vezes que estive lá, pude ver de como ela aspirava com estima, a fragrância oriunda dos cabelos claros da florista. Definitivamente, mamãe fincava suas raízes em novas terras.

No fim de 1983, deixei meus pais. No auge da primavera, retornei para visitá-los. Ao chegar em casa, deparei-me com Seu Florêncio inclinado sobre o parapeito da janela.  “Cheguei, pai! Cadê mamãe?” Desanimado, papai olhou-me e desviou sua atenção para a tarde infinitamente azul. Foi assim, que entendi, mamãe bateu asas para comprar flores e nunca mais voltou...

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